segunda-feira, 5 de março de 2012

O problema do conhecimento (in)útil

Filosofia





Nietzsche critica o eruditismo exagerado que, segundo o filósofo, pode ser uma desvantagem para a existência, pois é um saber desvinculado da vida




O filósofo Friedrich Nietzsche (1844-1900), enquanto professor de Filologia Clássica da Universidade de Basileia (1869-1879), manifestava em suas atividades intelectuais um importante compromisso pedagógico de contribuir para o desenvolvimento saudável da Cultura alemã que, segundo sua perspectiva, se encontrava em uma marcha de decadência valorativa. Tal declínio ocorria, grandemente, devido à "cultura erudita", tendência intelectual caracterizada por valorizar apenas a razão em detrimento do instinto. Esse problema se inscreverá em algo muito caro a Nietzsche: a oposição entre Arte (vida, instinto) e razão. Quando a vida - que é um poder "obscuro, insaciavelmente sedento de si mesmo" - é subjugada, e quando a racionalidade é posta no pedestal, é porque a barbárie está à porta. Diante disso, é possível perceber que quando Nietzsche desenvolve suas críticas ao problema do eruditismo, re ete, por conseguinte, a própria Cultura moderna e de que forma esta constrói seu ideal de ser humano: tal problema torna-se uma "lente de contato" para que ofilósofo analise a espinhosa e "tão urgente" temática da formação do humano. Viver adequadamente o presente, criar valores, utilizar-se do conhecimento em prol da vida: nesses aspectos se sintetiza o combate de Nietzsche contra a razão a todo custo incentivada pela modernidade.



O eruditismo exagerado pode, segundo Nietzsche, tornar o conhecimento petrificado, uma imobilização do presente em nome de um passado sempre revisitado

Segundo Nietzsche, o problema não é a valorização do conhecimento, mas que esse conhecimento seja apenas uma face da existência e que não seja útil para a vida


Em sua III Consideração Intempestiva - Schopenhauer como educador, Nietzsche compreende treze características que norteiam a tipologia do erudito, sendo possível sintetizá-las desta maneira: "(...) o erudito consiste numa rede misturada de impulsos e excitações muito variadas, é um material impuro por excelência"1.

Uma boa metáfora para o erudito é compará-lo ao verniz, pois este autonomiza o objeto em relação ao sujeito, algo que torna o conhecimento petrificado, numa prática contínua de deixar o passado, ou o conhecimento de outros povos, sempre válido para o presente; ou seja, a prática erudita tende a uma covardia e a uma preguiça que podem imobilizar o presente em nome de um passado incessantemente revisitado. O eruditismo, não respondendo adequadamente às questões da vida, cujo conhecimento é sempre contingente, torna-se o senhor do excesso e do supérfluo, pois a decompõe em prol de seus vários interesses unilaterais (especializados), preconizando o desprezo pela grandeza da existência, que exige uma visão orgânica e não uma restrição por parte do erudito. Segundo Nietzsche, o erudito "decompõe uma imagem em simples manchas, do mesmo modo como, na ópera, se usa um binóculo para ver a cena e examinar um rosto ou um detalhe da vestimenta, nada inteiro"2.

Não se deve pressupor, obviamente, que o conhecimento seja algo prejudicial para a vida e que a erudição seja sinônimo de prejuízo (e filisteísmo) para o ser humano. O que está em questão é o excesso, que pode tornar o conhecimento uma desvantagem para a existência. É necessário esclarecer que o homem erudito não é necessariamente um filisteu, pois este prospera financeiramente mediante a especulação da Cultura enquanto que o erudito, em essência, cria um tipo


INFLUÊNCIA DE NIETZSCHE, Arthur Schopenhauer (1788-1860) introduziu o pensamento indiano na Filosofia Alemã. Suas ideias não foram encaixadas em nenhum sistema da época de saber que fica preso a uma falta de experiência com a imanência da vida.

É neste contexto que as críticas de Arthur Schopenhauer (1788-1860) a Hegel (1770-1831) - e sua respectiva in uência sobre o desenvolvimento da Filoso- a acadêmica alemã do Oitocentismo - ecoaram de modo excepcional em Nietzsche. É necessário destacar que Schopenhauer considera que, mediante a in- uência de Hegel, a Filoso a universitária (acadêmica) torna-se a Filoso a por excelência, enquanto que a Filoso a que não se enquadrasse nesse modelo, tornava- -se intelectualmente e valorativamente excluída.

Para Schopenhauer, quando Hegel, Fichte e Schelling (expoentes do Idealismo alemão) conseguiram grande inserção nos meios culturais alemães, estruturaram um estilo de escrita truncado, pautado na obscuridade, e isso porque "para ocultar a falta de pensamentos verdadeiros, muitos constroem um imponente aparato de longas palavras compostas, intricadas ores de retórica, períodos a perder de vista, expressões novas que, no conjunto, resultam num jargão que soa o mais erudito possível"3. Schopenhauer critica a noção de que quanto maior a di culdade de se interpretar o sentido fundamental de um texto, maior seria a "aura" de genialidade de seu autor4, pois, em razão disso, o leitor, no seu íntimo, poderia vir a acreditar que, caso não fosse capaz de compreender as teses desenvolvidas nestas obras estilisticamente obscuras, ele próprio deveria se autorresponsabilizar por essa de ciência intelectual, sob a pena de ser marginalizado.

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